Crítica de The Batman
- mindinmaia
- 3 de mar. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2022

Se tem um herói que vem sendo dinamizado nas telinhas, ele se chama Batman. Desde o século passado, o intervalo entre filmes do homem morcego vem diminuindo, claro, retrato da situação cinematográfica atual (imediatista), da concorrência entre estúdios, apelo por universo compartilhado e, principalmente, na busca pela encarnação perfeita. Neste último ponto, fica evidente quando, há poucos anos, tivemos o Batman de Affleck (2016 a 2021) e de Bale (2005 a 2012), ambos bem recebidos pelos fãs, mas que não “vingaram” nas outras necessidades, supracitadas. Mas, o que Batman, do talentoso Robert Pattinson, dirigido por Matt Reeves, poderia trazer para se diferenciar dos demais?

Uma coisa é certa: adaptação cem por cento fiel não é a pegada do momento. É impossível, em pleno 2022, um diretor entregar um Superman de cueca ou um Batman com mamilos. Isto é fato. Porém, a evocação da fidelidade, em certo contexto, pode ser extremamente eficaz, como podemos observar no excelente Esquadrão Suicida (2021). Assim, ao inaugurar sua trilogia, Nolan reescreveu as regras para fazer um filme eficaz do herói da DC.
A seriedade da trama, tom investigativo, trama policial, proximidade da realidade e ação de qualidade fizeram com que os fãs recebessem um Batman totalmente distinto do que fora apresentado, em 60 anos de cinema. A regra é: inspiração, equilíbrio e inovação. E, felizmente, Batman, cumpre todos os requisitos e vai além.

Às vésperas das eleições municipais, na noite de halloween (referência a HQ O Longo Dia das Bruxas, de 1996), uma morte alerta Gotham City de que uma tempestade está chegando. O local do crime dá indícios que outros crimes virão e, no meio de tudo isso, o Batman que, abertamente, compartilha detalhes com a polícia, em especial, Jim Gordon. Juntos, precisarão quebrar protocolos, desmascarar figuras políticas e, ainda mais difícil, manter a confiança mútua. Sim, o longa já começa com a cidade conhecendo o vigilante mascarado, dividida entre o apoio (menos frequente) e a condenação de seus atos. Não, o fato de optar pela não introdução de sua origem não atrapalha em nada o desenrolar da trama, pelo contrário, fortalece e finca raízes no que o roteiro tem de melhor: o suspense investigativo, com leves toques noir, datado de filmes dos anos 40.

Reeves, ao definir esta estética, marca também elementos de clássicos como Taxi Driver (1976), em que o escárnio do protagonista (também repulsivo) pela cidade é palpável. Isso vale tanto para Bruce/Batman quanto para o recém apresentado Charada. Mas, não só de clássicos Batman é estruturado: temos aqui claras ligações com Zodíaco (2007) e Os Suspeitos (2013), nos quais o tom investigativo é altamente explorado, até requerendo um conhecimento prévio extra, como foi o caso do Robert Graysmith, crucial para desvendar os mistérios.
Porém, ao evocar toda essa estética e estilo de renomados suspenses policiais investigativos, é em Batman - O Cavaleiro das Trevas (2008), do Nolan, que Reeves finca seu alicerce: tudo que envolve ritmo, causalidade, moral, ética e vingança é basicamente repetido, com direito até um sórdido “final do final”, que o britânico adotou em seu filme de meio de trilogia. Neste aspecto, ainda podemos citar elementos dramáticos vistos em Seven – os sete crimes capitais (1995) e O colecionador de Ossos (1999).

Ainda assim, a proximidade com O cavaleiro das Trevas trouxe para Batman basicamente os mesmos erros. Em certos momentos, o longa de Reeves chega a ser mais didático que o de Nolan, sim, a comparação entre eles, em vez de outros diretores de filmes com o morcegão, se faz necessária porque a discussão ainda é sobre estética. Já passando para a narrativa, encontramos muitos diálogos expositivos, daqueles que vêm com uma montagem paralela, sim, aquela mesma criada por D. W. Griffith, que consiste em eventos acontecendo na medida em que são narrados pelos personagens, geralmente, marcando pontos distintos na linha do tempo. Assim, temos vários diálogos entre Gordon e Batman, e este e Alfred, a cada peça de quebra-cabeça desvendado.
Deve-se considerar, ainda, uma boa aula de cinema do diretor, ao vincular tais montagens a eventos traumáticos e claramente comportamentalistas, sobretudo quando acontece a “virada de chave” em Bruce Wayne, deixando qualquer fã do Sergei Eisenstein extasiado.
E, se tudo isso foi incorporado pela direção, recorrendo a todas essas referências, não é de se esperar menos da trilha sonora. Michael Giacchino simplesmente põe odor às ruas de Gotham em um trabalho primoroso que mistura elementos do Grunge, clássicos como Marche Funèbre e Ave Maria e, é claro, toda sua experiência em tensão, amplamente sentidas em jogos das franquias Medal of Honor e Call of Duty. Até mesmo a fonte de inspiração de Reeves para seu Bruce, Kurt Cobain, tem espaço de peso em momentos marcantes.

Se quase tudo neste filme funciona, não se deve esquecer dos responsáveis pelo casting, Lucy Bevan e Cindy Tolan, que reuniu uma equipe de peso, atuante e determinante em toda uma cadeia de eventos. Assim, chegamos em Robert Pattinson. Fruto de repulsa pela maioria dos fãs, quando anunciado como o novo Bruce Wayne, o ator dá uma aula de como “pagar pela língua”, termo popular que melhor define a atuação fúnebre, violenta, depressiva e esperançosa que ninguém ousaria imaginar num Batman, depois de tantos estereótipos. Seu personagem é um órfão, não só dos pais, mas, de uma cidade inteira que, a cada crime, vai perdendo sua humanidade. Não menos importante, Zoe Kravitz entrega a melhor versão da “gata” Selina Kyle, uma mulher marcada pela morte e abandono, vivendo à base de ódio e vingança, marcas que mudam de ótica na medida em que sua relação com Bruce se aprofunda. Todos os coadjuvantes estão ótimos, com destaque para Collin Farrell (Pinguim), John Turturro (Falcone), Jeffrey Wright (Gordon), Andy Serkis (Alfred) e Paul Dano (Charada).

Os efeitos, práticos e digitais, são suficientemente aceitáveis, condizentes com o que se pede. Impossível não reparar na drástica transformação que a equipe fez com Farrell: totalmente descaracterizado de seu “eu” e encarnando um Pinguim excelente como um bandido marcante, porém, limitado pelo roteiro. No clímax dos segundo e terceiro atos, houve a necessidade de efeitos digitais mais bem trabalhados que em pequenos trechos lá e cá. Assim, a WETA Digital (de Peter Jackson) entra em cena, com mais um trabalho impecável. Vale até considerar a escuridão de Gotham bem trabalhada como um coadjuvante de peso.
Assim como em seus minutos iniciais, ao longo de suas quase três horas e de seu final, Batman nos apresenta Gotham e nos coloca no papel de radícula desta grande erva daninha, sempre espreitando outrem por brechas nas janelas, frestas na madeira de portas ou pelas lentes de um rifle. Como citado anteriormente, em Taxi Driver, o neofascista Travis Bickle, em certo momento, faz o seguinte comentário:
“Todos os animais saem à noite: prostitutas, depravados, pederastas, drag queens, michês, drogados, viciados, doentes, mercenários. Um dia uma chuva de verdade virá e lavará toda essa escória para fora das ruas”.
Bem, Matt Reeves levou isso bem a sério.
★★★★☆ 4/5
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