Crítica de Speak no Evil
- mindinmaia
- 14 de out. de 2022
- 3 min de leitura

Quando pensamos em filmes slasher, o subgênero do terror acaba por nos remeter aos sanguinários e quase imortais vilões das últimas décadas. Porém, o termo veio se reinventando ao longo dos anos, claro, com seus altos e baixos mas, nunca, se tornando desinteressante. De origem dinamarquesa, Speak no Evil, de Christian Tafdrup, sim, compõe bem o subgênero, mas, entrega mais e, principalmente, nos mostra que o ódio e a aversão pelo semelhante, infelizmente, pode ser algo bem corriqueiro, digesto e cultuado mundo afora.

Dinamarqueses, Bjorn (Morten Burian), Louise (Sidsel Siem Koch) e sua filha estão passando férias na Itália, quando conhecem os holandeses Patrick (Fedja van Huêt) e Karin (Karina Smulders), e seu enigmático filho. A química entre eles faz despertar, em pouco tempo, uma amizade. Antes de seguirem suas vidas, Patrick faz um convite: um fim de semana em sua
casa. Louise, mais racional, mais tarde, até recusa, mas a insistência de seu marido acaba por findar seus dias. A partir daí, inquietação é a palavra que vai regrar a vida do casal. E a nossa.

Aqui, é interessante deixar pontuado a excelente direção de Tafdrup, que consegue causar pânico, desconforto e terror nas situações cotidianas mais normais. Um mérito que vem também do roteiro, coescrito com seu irmão, Mads. O desenvolvimento de seus personagens é primoroso: a dupla, enquanto molda a psiquê de cada um, para quem assiste, também se
utiliza da visão de mundo de cada cultura para desconstruí-los, de forma cruzada, oposta. E isto acontece desde a recepção da família, passando por momentos embaraçosos num bar, culminando momentos que destoam totalmente dos costumes dos visitantes.

Em nenhum momento a direção alivia na crítica social. O choque cultural nos deixa reféns da própria dupla de irmãos, no momento em que, inconscientemente, julgamos alguns exageros e até mesmo comportamentos omissos, geralmente partidos dos personagens
masculinos. O sentimento de que algo incomoda paira no ar a todo momento, mas esse incômodo só é percebido por quem simpatiza com a família dinamarquesa, que traz um comportamento mais próximo de ser chamado de “normal”. Com o tempo, o roteiro certeiro vai respondendo alguns questionamentos, por exemplo, o porquê de o casal não ir embora,
visto tamanho desconforto. E a resposta vem com mais construção psicológica e desconstrução social. Aliás, Louise personifica bem a sensação de quem assiste.

Assim como tudo deve existir um limite, sim, toda essa complexidade de ações e emoções culminam, num determinando momento, num afastamento da trama. A série de desventuras ocorridas até seu clímax, já seria suficiente para criar-se uma atitude e resolver de vez a situação conflitante. Mas, magicamente, o roteiro aposta numa falta de noção por parte de Bjorn que, a todo momento parece gostar e querer mais momentos desagradáveis, enquanto sua esposa, mesmo sem falar uma palavra, estampa no rosto o cansaço de tudo aquilo. Depois de uma lavagem de roupas sujas, entre os casais, tudo piora.

É quando os costumes e os estereótipos são postos em xeque pela inclusão de outro elemento, discutido no início, cessado e retomado: a misantropia ou antropofobia. O termo, que designa aversão à humanidade, de forma geral, ou limitada a algum aspecto (social, religioso, por exemplo), cresce bastante na segunda metade do longa. Porém, comportamentos de um misantropo, como superioridade para autopreservação, são encontrados em Bjorn e Louise, enquanto outros, como ironia e sarcasmo, são claramente
parte da psiquê do Patrick e da Karin. Talvez, a mensagem, neste nível de ótica, seja as doses do comportamento misantrópico em determinadas situações, independente da cultura, que um indivíduo externa, como escudo. Há ainda quem defenda que tais comportamentos não sejam desvios e, sim, estilos de vida. Porém, a defesa deste ponto de vista cai quando se chega ao ato final.

Tudo que foi preparado nos longos e, talvez, cansativos, atos iniciais, culminam num show de violência, difícil para pessoas mais sensíveis. Com direito a reviravoltas aos 45 do segundo tempo, Speak no Evil cumpre, com folga, o que prometera lá no início. Os atores estão ótimos, entregando muita dor e prazer na composição de cada camada de seus
personagens.

O cinema dinamarquês sempre teve um afinco pelo desconforto, principalmente em obras policiais. Speak no Evil não é exceção. É sim, um filme indigesto, mas, consegue explorar de forma admirável as camadas mais sombrias da mente humana, o quão suscetível e passivo
alguém pode ser quando tem seus valores confrontados por algo que deveria unir, em vez de separar, como a hospitalidade humana. Sem dúvidas, é uma das obras mais desafiadoras do ano. E quem não concordar, que atire a primeira pedra.
★★★★☆ 4/5
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